Eco Pedal do Talhado 52 km de Adrenalima e Emoção

Santa Luzia - Paraíba 2013 

"Não se ouve nem um pio. Cadê Zé, cadê João, cadê água, cadê rio. É ano de seca no sertão, lá onde a

vida se acaba, Vive só quem tem razão, Vive o bode, vive a cabra, o maracujá e a cana-brava, o

mandacaru e a assombração". Triste sertão - Vinicius de Morais

Sabuji, nome indígena que significa Olho D'agua Rumoso, era assim que era conhecida esta região hoje

batizada de Santa Luzia, e onde neste domingo, alguns audaciosos e porque não dizer loucos ciclistas,

resolveram percorrer os caminhos até a famosa Serra do Talhado, que outrora serviu de refúgio para os

escravos que fugira de seus algozes.

O sol ainda não havia dado o ar de sua graça quando saímos do hotel rumo à concentração, onde a

ansiedade e a emoção de reencontrar amigos só não era maior que a FOME....

Mais de 250 ciclistas reunidos, muitos abraços, os velhos tapinhas nas costas, muito riso e muita 

diversão, alguns velhos conhecidos de outros pedais, além do registro em nossa memória, os flashs das

câmeras chegavam a clarear a cidade, a intenção de eternizar o momento com pessoas que nós

gostamos e que transbordam alegria é muito gratificante. Enquanto a grande maioria esperava a

liberação café, um dos ilustres integrantes, mais conhecido como Chuck Norris, foi direto na fonte pegar

seu lanchinho.

Após as 06:00 ainda sob um suave sol, seguimos rumo ao nosso destino,"A serra do Talhado". Além do

SOL forte, uma das característiscas mais marcante do sertanejo é a Hospitalidade. Nas ruas mesmo

cedinho, muitos moradores em suas calçadas, "espiavam" sorridentes e nos cumprimentavam. 

Rapidamente deixamos a cidade para trás e entramos em um dos estradões que dão acesso a Majestosa

Serra, que nos esperava. Ainda providos de garra, disposição e muita força o semblamte de nossos

corajosos ciclistas esbanjava sorriso, principalmente à luz dos flashs, que naquela hora do dia chegava a

ser muito mais forte que o Sol.

Mal subimos uma pequena elevação, nossos olhos e nossas lentes capturaram ao longe belas e altas

formações rochosas, vemos também que o nosso ilustre amigo "o Sol" começa a dar o ar de sua graça,

como se quisesse nos enviar um recadinho, informando que nos acompanhará por todo o trajeto.

"Na terra seca, quando a safra não é boa, sabiá não entoa e não dá milho nem feijão". Assim cantava um 

ilustre filho da terra, chamado "Rei do Baião". No decorrer de nossa jornada, pecerbemos algumas

famílias resistindo bravamente a esta seca, munidos de muita fé e disposição para o trabalho, basta um

sopro frio vindo do lado certo do mundo (que só o sertanejo conhece) e esta gente, brava gente, lança ao

solo seus grãos e aguardam a tão sonhada chuva, para encher suas cacimbas e aproveitando o vento o

velho e útil catavento garante a irrigação quando a chuva passar...

Seguimos por estradas de chão batido, onde outrora e em tempos de chuva alguns fortes sertanejos  

remanescentes tocavam sua criação. Sob esta terra rachada pelo tempo e por entre arbustos o sinal de

cansaço era visível nas nossas faces. Ao longe as montanhas fecham o cenário e nos dão uma dimensão

de quanto ainda iríamos subir.

No decorrer somos fitados pelo olhares atentos das crianças, por algumas delas somos ovacinados.

Elas querem bater fotos, conversar conosco. A alegria dentro destes pequenos seres de sorriso largo é

contagiante, e percebemos que a diferença entre elas e nós neste momento é apenas o valor dos nossos

"brinquedos". O tempo pode até envelhecer nossos corpos mas, se ele não conseguir envelhecer

nossas emoções seremos eternas crianças. 

Sob o ardente SOL sertanejo, que parecia estar a um palmo de nossos capacetes, enfrentamos o primeiro

desafio do dia, uma ladeira onde o mormaço do SOL refletia no calçamento, exaurindo nossas forças.

Como loucos e apaixonados por aventuras, um a um dos participantes foram encarando o que eu acredito

ser primeiro desafio, e parafraseando um inteligentíssimo grego de tempos passados, digo:

 "Uma vida sem desafios não vale a pena ser vivida".

Partindo da primícia que o êxito de uma aventura como esta, não se mede pela distância que você

percorreu mais sim pelas dificuldades que você encontrou e superou pelo caminho. Assim com na

diversão é na vida e não podemos em hipótese alguma perder o ânimo, o espírito, e nossa capacidade

de nos superarmos. 

Enfim o tão, tão, mas tão desejado ponto de apoio, diga-se de passagem, em um local muito bem

escolhido, onde além de nos hidratarmos tínhamos à nossa disposição um visual incapaz de ser retratado

por simples equipamentos eletrônicos. A vista era tão bela e por estarmos rodeados de amigos emanando

alegria e muita descontração, não percebemos o tempo passar. O apoio foi tão perfeito que alguns se

sentiram em casa e aproveitaram para um breve descanso....

 

A prosa estava boa, a vista melhor ainda, mas havíamos muito ainda para percorrer e principalmente para

subir. Seguimos a trilha marcada e logo, encaramos outra subida, embora pequena, o calor acredito

beirava os 40 graus. Ao longe, as lentes de minha máquina cujo visor não funciona, captura institivamente

uma casa simples, praticamente engolida pelos arbustos e espinheiros, e me faz questionar: Estará ela

habitada? Como esta família sobrevive nestas áridas terras ? Sigo meu caminho com estas dúvidas.

Eis que tivemos a honra e a oportunidade de conhecer o Sr. Inácio Felino de Medeiros. Isso mesmo ! Foi

assim  que este simpático senhor se apresentou após pedir para que eu parasse, pois queria saber que

danado estava havendo por ali, um monte de bicicletas coloridas passando. Após alguns minutos de boa 

conversa, umas boas piadas e muitas histórias, este senhor que mal consegue andar, com seus 70 anos

de idade, mais da metade dele dedicados ao uso de uma enxada, o que lhe provocou um enorme desvio

na coluna e que hoje caminha com dificuldade. Mesmo assim esbanjando bom humor, simpatia, alegria

de viver, e depois deste domingo, com mais uma história para contar. 

Pê-a -pá, Erre-a -ra- í, Bê-a -bá, Paraíba !! Paraíba do norte, do caboclo forte, do homem disposto 

esperando chover, da gente que canta com água nos olhos chorando e sorrindo, querendo viver, do

sertão torrado, do gado magrinho, do açude sequinho, do céu tão azul, do velho sentado num banquinho 

velho, comendo com gosto um prato de angu, acende o cachimbo, dá uma tragada, não sabe de nada da 

vida do sul. Paraíba do norte que tem seu progresso, que manda sucesso pra todo país, que sente a 

presença da mãe natureza, que vê a riqueza nascer da raiz, que acredita em DEUS, também no pecado, 

Que faz do roçado a sua oração, e ainda confia no seu semelhante e vai sempre avante em busca do pão.

O pão que é nosso, que garante a vida, terrinha querida do meu coração. 

Pê - a - pá  Erre - a - ra - í Bê - a - bá,  Paraíba !!!  Paraíba do Sr. Inácio Felino de Medeiros.......

Seguindo nosso caminho, nos deparamos com uma bela descida de fazer arrepiar pêlos, mesmo sob um

SOL de 40 graus com sensação térmica de 200 graus. Radical seria a palavra correta para classificar este

breve penhasco descível. Sempre acompanhados por velhos companheiros "SOL e Arbustos" e sobre um 

chão pedregoso, usando de muita perícia e principalmente o instinto aventureiro, descemos a uma

velocidade de entre 35km e 40km, alguns ainda mais rápido....

Coisas que só acontece no sertão! Em meio a uma descida truculenta e acidentada, debaixo de um sol,

tão forte que até o vento era quente, a fome e a sede já assolava-nos, quando no meio daquela SECURA

toda, avistamos uma frondosa árvore que valentemente insistia em continuar de pé, e melhor ainda 

ofertando em sua valiosa sombra frutos maduros e deliciosos, que amenizaram nossa sede e nossa

fome. A alegria deste encontro foi tamanha que até dança alguns loucos fizeram, parecendo criança

quando escontra um doce... Na dura labuta da caatinga, o umbu é uma bênção para o vaqueiro.

Quando a fome aperta, o umbuzeiro, muitas vezes, é a salvação. Sede? Isso a raiz resolve. Na seca,

o pé de umbu é como uma caixa d’água. As batatas que ficam na raiz são como caçambas, chegam

a acumular até 1,5 mil litros de água. Chova ou faça sol, o umbuzeiro nunca deixa de florescer. 

" É a arvore sagrada do sertão. Sócia fiel das rápidas horas felizes e longos dias amargos dos

vaqueiros. Representa o mais frizante exemplo de adaptação da flora sertaneja. Foi, talvez, de

talhe mais alentado e alto — e veiu descahindo, pouco a pouco, numa intercadencia de estios

flamívomos e invernos torrenciaes, modificando-se á feição do meio, desinvoluindo, até se

preparar para a resistência e reagindo, por fim, desafiando as seccas duradouras, sustentando-se

nas quadras miseráveis mercê da energia vital que economisa nas estações benéficas, das

reservas guardadas em grande copia nas raizes. 

E reparte-as com o homem. Se não existisse o umbuzeiro aquele trato de sertão, tão estéril que

nele escasseiam os carnaubaes tão providencialmente espalhados nos que o convizinham até ao

Ceará, estaria despovoado. O umbu é para o desventurado matuto que ali vive o mesmo que a

mauritia, para os garaunos dos llanos.

Alimenta-o e mitiga-lhe a sede. Abre-lhe o seio acariciador e amigo, onde os ramos recurvos

e entrelaçados parecem de propósito feitos para a armação das redes bamboantes.

E ao chegarem os tempos felizes dá-lhe os frutos de sabor esquisito para o preparo da

umbusada tradicional. O gado, mesmo nos dias de abastança, cobiça o sumo acidulado das

suas folhas. Realça-se-lhe, então, o porte, levantada, em recorte firme, a copa arredondada,

num plano perfeito sobre o chão, á altura atingida pelos bois mais altos, feito plantas ornamentais

entregues á solicitude de praticos jardineiros. Assim decotadas semelham grandes calottas

esfericas. Dominam a flora sertaneja nos tempos felizes, como os cereus melancólicos nos

paroxismos estivaes". Escreveu o sociólogo Euclides Rodrigues da Cunha.

Umbú no bucho e ladeira a cima, desta vez um verdadeiro paredão de paralelepípedo e cimento encravado

na garganta da Serra do Talhado, provou mais uma vez a capacidade de se automotivar e nos fez chegar

além de nossos limites físicos e psicológicos. O Sol ainda mais perto, porque não dizer colado aos nossos

capacetes, servia de incentivo, pois se ficássemos, seríamos literalmente torrados. 

Já no topo desta magestosa montanha, por um breve minuto de silêncio, a vista da vastidão de todo o vale

nos é permitida, algumas fotos desfocadas são registradas, mas as mais belas imagens ficam em nossas

mentes.  O assobiar dos ventos, o cantar de alguns passáros no silêncio do tempo, é quebrado com 

gritos de exaltação de alguns ciclistas após chegar no topo. 

"Última a receber o adeus do dia, primeira a ter a bênção das estrelas" !!

Com esta certeza deixamos a Serra do Talhado e nos dirigimos para o último ponto de apoio. 

No caminho, a paisagem é desoladora e nos remete ao verdadeira situação da SECA no Nordeste. Um

cenário triste, casas abandonadas à beira das estradas onde outrora repousava o boiadeiro depois que

vinha cansado. Não se escuta o boiadeiro mais cantando uma toada, pois a falta d´agua o fez perder todo

seu gado. Espero que a chuva volte logo, pois como já cantaram: "Se chover dá de tudo, fartura tem

de montão", quem sabe assim este boiadeiro retorna ao seu sertao......

Escreveu o ilustre conterrâneo João Cabral de Melo Neto: "Por trás do que lembro, ouvi de uma terra

desertada, vaziada, não vazia, mais que seca, calcinada. De onde tudo fugia, onde só pedra é que

ficava, pedras poucos homens com raízes de pedra, ou de cabra. Lá o céu perdia as nuvens,

derradeiras de suas aves; as árvores, a sombra, que nelas já não pousava.  Tudo o que não fugia,

gaviões, urubus, plantas bravas, a terra devastada ainda mais fundo devastava." 

Será que ele esteve caminhando em solo Sabuji ????

A poucos metros do Último Ponto de Apoio, um grupo de ciclistas dividem um generoso pacote de gelo

que nos fora presentado, por um dos safety car. Sol de rachar, a pouca sombra que tem é disputada, nos

míminos milímetros. 

No último ponto de apoio, quase sem forças o Sr. Mauri, gentilmente nos ofereceu uma chuveirada, o

ilustre Jovino Costa e eu, havíamos guardado uns umbus e aproveitamos para degustá-los com uma 51

gelada, na intenção de conseguirmos completar os últimos 5km do magnífico Eco Pedal do Talhado.

"A vida não perde o prumo, e assim vai seguindo o seu rumo, desliza nos trilhos do tempo, destrancando as

portas do mundo florescendo a mata da serra, dourando de sol nossa terra. A vida não se reserva, seja

inverno ou primavera, segue o remanso lento , esse rio imenso que quer chegar , vai na força da vida que o

convida, a nunca parar na solidão da terra, a cigarra espera pra ver chegar, o dia em que cantará pra

misturar a voz , na voz que a vida tem". 

Com estas sábias palavras do querido Padre Fábio de Melo, me dispeço de mais esta crônica e deixo

aos os organizadores do Eco Pedal do Talhado minha eterna gratidão, meus sinceros parabéns, e que 

se DEUS me permitir estarei novamente ao TOPO DA SERRA em 2014.

---------------------------------------------------------------------------

Confiram todas as fotos do Eco Pedal do Talhado nos links abaixo:

Album 01 - (Por Henrique Wanderley)

Album 02 - (Por Thiago Barboza)

Album 03 - (Por Claudio Lima - Blog Super Legal)

Album 04 - (Por Shirley Trindade - Rapaduras Bikes - Natal)

Album 05 - (Por Julio Cesar - Tô Nem Ai - Campina Grande) 

 

João Pessoa 14 de Março de 2013