Trilha Augusto dos Anjos

& Reserva Pacatuba

"A esperança não murcha, ela não cansa, também como ela não sucumbe a crença. Vão-se sonhos nas asas da descrença, voltam sonhos nas asas da esperança" escreveu Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, filho ilustre da cidade de Sapé. Porta de entrada do encantador brejo paraibano. Terra de águas fartas e com uma agricultura imponente. 

E foi nestas terras que nós Aventureiros do Pedal, realizamos uma das mais gostosas trilhas de Mountain Bikes até o presente momento. Assim que chegamos a Sapé fomos direcionados a um bairro/distrito/localidade denominada "Cidade Cristã". Com uma recepção neste local, jamais nunca nada poderia dar errado ou ser inferior a excepcional. Fomos recepcionados em uma escola com um bélissimo café da manhã regional : Cuzcuz, ovo, linguiça,pão, queijo, leite, suco, café e lógico ABACAXI, estampado em sua parede eis que havia mais um sinal de que esta trilha entraria para o calendário paraibano de mountain bike.  

Iniciamos nosso passeio pelo centro da cidade de Sapé, cerca de 150 de ciclistas coloriram a aconchegante cidade. Desfilando com seus brinquedos, atraindo a atenção dos sapeenses, em particular das crianças. E como cantou um certo paraibano " Somos o mundo girando no meio da imensidão, algo que tem a verdade e o gosto da criação, somos o muito e o pouco na múltipla sensação quando sacode a poeira do sagrado chão". A unica diferença é que sacodimos muita lama, pois esta "molezinha" de pedalar na pista e no seco são para os fracos !! Mountain Bike de verdade tem que ter lama, muita lama..

E por falar nela, assim que conseguimos sair da calmaria nas ruas da cidade, fomos direcionados para os canaviais, e logo no início os integrantes puderam ter uma breve noção do que estava nos aguardando trilha adentro. Com um clima típico do brejo paraibano e uma breve ameça de chuvas, transpomos os primeiros lamaçais. Como é normal no início das trilhas, alguns integrantes suspendiam suas amadas bikes, na intenção de protegê-las das inofensivas águas pluviais.

 

Falar da beleza desta região, é "chover no molhado". Pedalamos alguns metros e nos deparamos com o primeiro desafio da trilha. No topo, um dos guias orientava e alertava um a um sobre uma descida rochosa, com pedras que apareciam à sua frente, de tamanhos e cores diferentes. Umas juntas às outras, das mais claras às mais escuras. Algumas lisas e outras caraquentas. Umas arredondadas e outras pontudas. Mas tudo se encaixando como num grande quebra-cabeça. As belas e verdes folhagens dos pés de canas de açucar formavam um corredor que atraíam os destemidos bikers como um verdadeiro imã. 

E continuamos a pedalar por Sapé. E, como todas as cidades do brejo paraibano nada é plano. Aguns kms de trilha nos deparamos com a primeira subida, uma ladeira longa, desafiadora e que a vista não alçava o seu final. O esforço dos amigos que estavam à frente nos preparava para o que iríamos enfrentar. 

Uma garoa de alguns minutos foi o primeiro prêmio que recebemos para amenizar o "pseudo" sofrimento que estávamos passando naquele momento. Ingressamos em um extenso e estreito corredor verde, cujo solo escorregadio exigiu uma grande perícia dos bikers sem imaginar o que viria logo á frente.

Como era de se esperar, após um grande esforço físico e mental dos nossos intrépidos aventureiros, após uma íngrime ladeira, somos agraciados com uma bela vista do açude de "São Salvador" se não estou enganado. Um belo espelho d´água que mereceu parada para várias fotos. Destaque para este capim denominado pelos antigos índios potiguares que habitavam o lugar de: "eça-pé" cujo significado é "O que Ilumina o Caminho". 

Como se não bastassem as belezas dos vários lagos e lagoas e dos verdes dos canaviais, nos embrenhamos em um túnel natural de bambus, sobre um barro vermelho vivo, criando um cenário digno de capa facebookeana. Aqui para os mais atentos a fauna se fazia presente com uma enorme sinfonia de aves locais. O bico de Lacre sempre em bandos sobrevoam nossas cabeças, o Gavião Caramujeiro e seu assobio. O belo cabocolinho, o azulão e o tiziu dentre outros. 

Deixamos o túnel de bambus e partimos seguindo nosso destino, pois ainda havia muitas belezas pela frente. Não demoramos muito e um perene riacho atravessou nosso caminho. Águas cristalinas e geladas obrigaram os aventureiros a um "Pit Stop". Alguns aproveitaram para molhar as bikes, outros para se banhar, em instantes um amontoado de rodas e capacetes se fizeram presente às margens do rio.

E seguimos trilha adentro. Não estávamos nem na metade do percurso e ainda havia muito que pedalar, muito o que ver, muito o que sorrir, muito o que aprender. Eu comparo os pedais com uma imensa colcha de "fuxico". São recortes de vida, que juntam-se em retalhos, alinham-se a outros pedaços. E lá se vai a velha colcha crescendo. Com novos pedaços que agora, ressignificam suas emendas, tornando nova a costura, mudando o formato e as suas rendas. 

E no silêncio das águas calmas do açude, há um místico guitarrear do vento nos bordões do juncal. Cenário que faz a visitante que vive rodeada de carros e prédios no seu dia a dia sorrir como se ouvisse algo engraçado. Felicidade de ter tido a oportunidade do contato com a natureza e fixado em sua memória uma imagem desta magnitude. 

Após uma breve parada para contemplar a natureza e firmar a passagem do nosso grupo pelo local, seguimos adiante, com destino à reserva de Pacatuba. Do alto do morro uma bela vista do quê estava por vir. Grandes plantações de canas, e próximo às casas percebe-se pequenos arados para o usufruto da família. Ao fundo a Reserva Ecológica de Pacatuba. Enfim chegamos a reserva, local místico, lindo, com um ar frio, árvores gigantescas e centenárias que impediam a entrada da luz solar. Riachos e nascentes cortam à reserva. Lugar dos Guaribas ou Bugios, uma espécime de primata que emite um som ensurdecedor, ouvido a kms de distância e que intimida aos adversários e alguns humanos. Dentro desta reserva tem uma pequena cascata com água cristalina e gelada. Um banho revigorante quase que obrigatório aos aventureiros. 

Embora o corpo pedisse para ficar na reserva, nossas mentes exigiam que continuássemos nossa jornada pelas antigas terras dos índios Potiguares. Dentre as belezas naturais eis que surge um grande e imponete casarão branco, arrodeado de janelas de madeira, árvores frutíferas e uma pequena capela ao lado. Era o Casarão do Coronel Gentil Lins, o primeiro prefeito da então cidade de Sapé. Quando me deparo com uma construção tão antiga como esta, a primeira coisa que me vem a mente, é a história. Quantas alegrias tiveram as famílias que aqui viveram, como as crianças da época brincavam, as velhas e boas conversas ao redor de fogueiras. Quantas tristezas escondem estes porões, os amores proibidos da época. 

A curiosidade por mais detalhes sobre o atraente casarão, nos levou para bem próximo dele, aliás para dentro do mesmo. Ao transpor o velho portão de ferro enferrujado pelo tempo, vimos que embaixo do chão da sala havia um calabouço. Que segundo informações, serviu para aprisionar os escravos na época. Do lado de fora dos altos muros do casarão, as ruínas de uma velha construção instigava-nos, na tentativa de adivinhar qual o propósito da mesma (celeiro, garagem, estábulo, senzala??). Estava ali diante de nossos olhos o encontro com os povos de ontem. Há que se cuidar da vida, há que se cuidar da história. Há de se preserva a memória. A vida como ruínas, não me serve a não ser de lembranças, para olhar as pedras antes moldadas e formatá-las em esperança. Esperança de uma nova história. "La sencillez de la enseñanza" (A simplicidade do ensino)

Deixamos um pedaço da história para trás. Esquecido no passado, porém vivo em nossa memória. Seguimos nosso desafio rumo a outro grande ponto turístico da cidade. Todavia as difilculdades aumentavam ao passo que adentrávamos nos canaviais. Havia até a temida "Ladeira do Moreno", que ouvimos falar desde o início do pedal. Como fotógrafo oficial dos "Aventureiros do Pedal", sou um dos primeiros a encarar o desafio. Ainda me restabelecendo do esforço físico para vencer a ladeira, me deparo com esta cena, o meu nobre amigo e companheiro de muitos pedais, no auge de seus quase 70 anos, vencendo mais um obstáculo, de ar sereno como as águas do açude ao fundo, de olhar firme e bem concentrado este é um dos aventureiros que mais tem histórias para contar. Uma verdadeira e gigantesca colcha de "fuxicos".

E a trilha continua. Após transpor uma pequena e estreita ponte, adentramos em um labirinto de canas sobre um massapê, que mau víamos o companheiro à nossa frente, guiados pelo instinto aventureiro, seguimos por léguas entre o tapete verde que cobria a região.

"Ser feliz é sentir o sabor da água, a brisa no rosto, o cheiro da terra molhada. É extrair das pequenas coisas grandes emocões. É encontrar todos os dias motivos para sorrir, mesmo se não existirem grandes fatos. É rir de suas próprias tolices. É não desitir de quem se ama, mesmo se houver decepções......

.......... É ter amigos para repatir as lágrimas e dividir as alegrias. É ser um amigo do dia e um amante do sono. É agradecer a Deus pelo espetáculo da vida". Escreveu o médico "Augusto Jorge Cury". E como não ser feliz participando de um evento deste. Acima uma vista do imenso açude de Itanhaém, no fundo vê-se uma pequena construção, o famoso bar de seu Lula, onde serve uma "Tilápia Assada" de tirar o chapéu.

A fome já estava apertando, embora tivéssemos feito dois "Pit Stops Etílicos" em bares da região para abastecimento, as inúmeras ladeiras secaram nossos buchos. Por entre lamas a nossa trilha continuou, afinal faltava ainda o ápice de nossa jornada, chegar ao ponto turístico mais importante de Sapé, ponto que cedeu o nome a esta trilha.

A antiga igreja escurecida pela ação do tempo, o velho sino pendurado à janela, que em tempos de outrora chamavam os fiéis para a missa dominical. Como escreveu outro gênio literário da mesma época: "O sino da minha aldeia, dolente na tarde calma, cada tua badalada, soa dentro de minha alma. E é tão lento o teu soar, tão como triste da vida, que já a primeira pancada tem o som de repetida. Por mais que me tanjas perto, quando passo, sempre errante, és para mim como um sonho. Soas-me na alma distante. A cada pancada tua, vibrante no céu aberto, sinto mais longe o passado, sinto a saudade mais perto". Fernando Antonio Nogueira Pessoa.

Enfim chegamos ao tão esperado destino, paramos à frente da casa onde viveu o parnasiano "Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos", professor, Advogado e Poeta. Ilustre filho da pacata cidade de Sapé. À sombra de uma árvore, o amarelado muro ostenta uma de suas obras literárias "Debaixo do Tamarindo".  (Foto de Jovino Costa)

Ao lado a residência do poeta vai suportando as intepérias do tempo e mantendo-se imponente junto a velha tamarineira, a antiga casa de sua ama de leite D. Guilhermina, hoje transformada em um Memorial ao poeta. Dentro um pedaço da história e mais de 100 livros são guardados. "Meia noite. Ao meu quarto me recolho. Meu Deus! E este morcego! E, agora, vêde: Na bruta ardência orgânica da sede, Morde-me a goela ígneo e escaldante molho. "Vou mandar levantar outra parede..." — Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho E olho o tecto. E vejo-o ainda, igual a um olho, Circularmente sobre a minha rede! Pego de um pau. Esforços faço. Chego A tocá-lo. Minh'alma se concentra. Que ventre produziu tão feio parto?!  A Consciência Humana é este morcego! Por mais que a gente faça, à noite, ele entra Imperceptivelmente em nosso quarto!" -- "O Morcego". Será que ele estava em um destes quartos quando escrveu este poema ?

 

Por fim, uma outra obra de arte da nossa fantástica trilha, em uma larga parede a pintura de tudo que representa a ciade: O rosto de Augusto dos Anjos; O pé de Tamarindo; A Igreja; Canaviais; Abacaxis e a Casa da D. Guilhermina. Estas imagens fecharam nossa jordada pela cidade de Sapé. Um lugar de águas fartas e um povo acolhedor. Terras dos primatas barulhentos, porta de entrada do brejo paraibano. Uma das melhores trilhas que eu já tive a oportunidade de participar. 

Aos Papaléguas (anfitriões e organizadores), parabéns pelo magnífico evento. Agradeço em nome dos "Aventureiros do Pedal" pelo convite feito a nosso grupo e pela recepção que nos foi dispensada. Sabemos o quão é difícil realizar um evento com esta amplitude, e trabalho maior ainda é agradar a todos os participantes. Ressalto que embora a luta tenha sido imensa, o objetivo foi alcançado e acredito que todos os integrantes já contam os dias para o evento do próximo ano..... Que venha o Eco pedal de Sapé em 2014 e se DEUS assim nos permitir, estaremos juntos. 

 

Confira todas as fotos  

Por Henrique Menezes:  Album 1 

                                      Album 2

Aventureiros do Pedal   Album 3  (Por João Soares)

                                      Album 4  (Por João Soares)

Por Ademar Junior :       Album 5  (Equipe Papaleguas)

Por Ubiracy :                  Album 6 

 

Sapé 01 de Setembro de 2013

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