Pedra da Boca - Araruna / PB

Á rara Una: Palavra em tupi que significa "Arara Preta", denominação dada aos pássaros de cor azul

escuro que habitavam a região nos primórdios de sua ocupação, mas que por estarem distantes pareciam

ser da cor "preta". Embora eu não tenha visto estes que acredito ser belos pássaros, a paisagem

montanhosa mesmo com sua vegetação quase dizimada pela estiagem me deixou encatado com o lugar. 

Deixando a prosa de lado e sem mais delongas, vamos ao que interessa ou ao objetivo. 

                                                                    " A PEDRA DA BOCA"

"Não Direi: Que o silêncio me sufoca e amordaça, calada estou, calada ficarei, pois que a língua que

falo é doutra raça. Palavras consumidas se acumulam, se represam, cisterna de águas mortas, ácidas

mágoas em limos  transformadas, vasa de fundo em que há raízes tortas.

Só direi: Crispadamente recolhida e muda, que quem se cala quanto me calei, não poeraá morrer sem

dizer tudo", proferiu o ilustre poeta José Saramago sem nem mesmo conheçer esta maravilha.

Quando este nome é pronunciado no nosso ciclo, o primeiro questionamento que é feito é "E A VOLTA"

como vai ser ? Até então eu não imaginava o porquê deste questionamento. Tomamos nosso rumo saindo

de João Pessoa e adentramos no interior da Paraíba. Em nosso caminho,belas paisagens fixavam-se em

nossas memórias. Deixamos para traz caminhos de fé percorridos por sacerdotes e romeiros com muita

história de alegrias e tristezas, locais onde a água é farta e o verde é abundante.

Atravessamos cidades que outrora pedalamos e nos divertimos muito, outras sequer pensávamos existir. 

Foram aproximadamente 166 kms atravessando BR e PBs, vendo a paisagem mudar do alegre verde louro

da nossa flâmula, para o cinza triste e com pouca vida, quebrada apenas pelos belos e glamourosos ipês

amerelos nos pés das serras, que insistem em florir, mesmo com pouca água, estes imperadores do

serrado, desafiam o tempo e a morte, pasma os olhos de quem por ali passa e de quem fica. 

Placas amareladas pelo tempo nos sinalizam mais uma cidade, e a paisagem rochosa indicava que o

nosso destino estava perto.

Falsas bocas ou gigantescas pedras com bocas mal desenhadas tentam chamar nossa atenção, ao

mesmo tempo que em nossas férteis mentes vem a imagem da "Verdadeira Pedra da Boca, e junto com 

a imagem, o desejo contido em nossos corações de poder pedalar em um ícone do Mountain Bike.

Enfim chegamos ao hotel Pousada da Serra, descer dos carros, se espreguiçar, conhecer o ambiente,

cumprimentar os velhos amigos, conhecer os novos, ver as instalações e dividir os quartos, em um bom

dialeto interiorano "SE ACONCHEGAR". O proprietário muito gentil com seu chapéu de vaqueiro

atendendo a todos de maneira hospitaleira típica da região, tira colchão daqui, leva para ali e quando 

"demos fé" estávamos almoçando, papeando e acertando os últimos detalhes para o pedal de amanhã.

Alguns secos por pedalar (eu me incluo nestes) se uniformizaram e partiram para o passeio de

reconhecimento nos arredores do hotel e até a cidade.

Na manhã do tão esperado pedal, nos deparamos com um clima bastante frio, onde uma névoa cobria

todo o vale, tentando esconder os enormes paredões rochosos e estradas repletas de ladeiras que haviam

à frente do Hotel e por onde iríamos ter que retornar. Até quis imaginar o que estava para vir, mas a beleza

do lugar rapidamente me fez ter outra visão do grande vale logo abaixo.

Logo cedo preparei meu KIT PEDAL e fui fazer algo que não curto muito: "fotografar o povo".

No detalhe, e que eu não poderia deixar de registrar, o açucareiro que nossa amiga Maira estava na mão, 

datado de 1829, uma verdadeira relíquia e super discreto, vai uma açuquinha ai ??? 

A sensação de estarmos em nossas casas era tão grande que alguns dos integrantes como mostra a

foto abaixo não saíam da cozinha, "SU COZINHA ES MI COZINHA". Assim iniciou-se o nosso dia....

Com muito barulho, alegria e entusiasmo, os integrantes inciaram seus ritos pré-pedal e ainda a frente do

hotel os clicks fotográficos registravam a nossa saída, o alegre casal ciclista se põe a postos para mais

um click que eternizará este momento para eles. Ao ver esta foto e lembrar das pedaladas que já fizemos

juntos, lembrei de um pequeno trecho de uma música que diz algo assim:

                                                   Aonde esse amor me leva.... 

" Vou no deserto criar um jardim, no oceano fundar um país, felicidades momentos da vida que

voa, nos braços de uma pessoa que a gente nem pensa em deixar".

Logo que passamos pelo centro da cidade com o sol ainda brando, caimos em uma bela de uma trilha,

descida rochosa que exigiu além de equilíbrio,agilidade de nossos bikers. Cercada por galhos, secos pelo

tempo, onde o colorido nossas vestes destacavam-se ao logo desta trilha. Criando um show de imagens.

Durante todo o trajeto, encontramos algumas árvores frutíferas com seus bens mais preciosos (O fruto)

sendo consumidos pela ação do tempo, encontramos também pessoas como D.Angélica, gente como a

gente, que assim como as árvores ao redor de sua casa, resiste as intempéries naturais da região.

São pessoas como ela que mostram sua beleza, apesar da secura que o clima oferece, pessoas que

distribui candura apesar da dureza que a vida lhes impõe...... 

Como a intenção do pedal era um passeio de Mountain Bike, e o local é o mais que apropiado à prática

desta modalidade, seguimos nós, por entre os estradões enfrentando íngrimes subidas e desfrutando de

paisagens algumas vezes indescritíveis.

Onde alguns, loucos apaixonados pelo montain bike, quebraram barreiras, ultrapassaram as fronteiras dos

estados (RN/PB), superaram seus próprios limites, e com muita satisfação exibiram o seu "standart",

como se quisesse enviar uma mensagem aos amigos, "Nós conseguimos, estamos aqui", evidenciando

euforia e a adrenalina sentida ao subir numa "BIKE" e desfrutar de visões jamais sonhadas, jamais 

permitidas em outras circunstâncias.

Mas nem tudo é fácil, com o sol a pino qualquer sombra é um grande refúgio para nós, pelos estradões 

vimos em sua grande maioria árvores secas, sem flor e sem cor, o solo estava tão quente e árido que eu

nem sei como estas árvores ali conseguiam estar. Fiquei a imaginar de onde vem esta força que as fazem 

sobreviver naquele ambiente tão hostil.

Quando surge no final de uma trilha uma pequena capela, abandonada por seus fiéis mas com certeza

com a presença de DEUS. Dentro, um altar com as cores do céu e as paredes esburacadas serviram de

pouso para descansarmos nossos corpos, tomar uma água à sombra, comer um biscoito, pedir força para

continuar a  nossa jornada esportiva. Em frente da pequena capela uma cruz em madeira resistia a ele, o 

"TEMPO", controlador de nossas ações e de nossas emoções.....

Se os caminhos estavam dificéis e o sol castigando, o idéal é conversar com quem entende de sofrimento

e que está acostumado com o duro clima da região, por isso nossa amiga foi calmamente ter umas aulas 

com "Orácio" e fazer um breve carinho ao mesmo, pois qual o ser vivo neste mundo que não gosta de um

carinho? E como diria o imortal Rei do Baião, O Jumento é Nosso Irmão... Será ??

E o pedal seguiu adiante até chegarmos a uma ponte extensa, onde perfilamos na intenção de eternizar

mais uma foto, pois estávamos chegando ao nosso destino. Onde antes corria sob ela grande fluxo de 

águas não perenes de um largo rio, dando exuberância à região, deixando verdes seus arredores e sendo

uma referência para indicar o limite entre os dois estados (RN e PB), hoje porém há apenas um largo

areial e sob a ponte o silêncio do vento ecoa num vazio de um "rio seco". 

Enfim chegamos ao nosso destino. Estávamos no "Parque Estadual da Pedra da Boca". Gigantescas 

formações rochosas cercavam-nos e deixavam-nos maravilhados. Sendo uma parada obrigatória, fomos a

Pedra da Capela, um lugar mágico onde repousa uma bela imagem de Nossa Senhora, onde fiéis e devotos

depositam sua fé, fazem seus pedidos e agradecimentos ao nosso DEUS.

Ainda na Pedra da Capela, os majestosos Ipês, emprestam suas cores amarelo e roxo para contrastar 

com o desfiladeiro de rochas, criando um visual que foge do alcance de nossas poderosas máquinas

fotográficas, um visual impossível de descrever, em um clima de paz, tranquilidade e exaltação.

Deixamos a Pedra da Capela, e seguimos para o restaurante no "Pé da Pedra" onde realizamos uma

breve paradinha para reabastecimento (água, coca-cola, gelo, gel, galinha com arroz, cerveja, carne de

sol). Cada um se preparou ao seu estilo, pois o retorno ao Hotel mesmo que curto (16km) prometia além

de novas e belas imagens, muito esforço e superação dos nossos limites. Logo na saída encaramos um

dos mais desgastantes desafios deste pedal, uma estrada que é de terra amarela e quase sem sombra, 

não se ouvia passaros cantar, à nossa direita paredão de rocha desenha a curva da estrada.

Depois encontramos algumas árvores quase transparentes e enroladas; mas os seus ramos não davam

nenhuma sombra. E assim seguimos sempre em frente com a pesada "Mão do Sol" pousada em nossos

já fadigados ombros, e dai, somos Aventureiros !! Sim, Aventureiros do Pedal.

Como se fosse uma compensação pelos esforços dispensados na última subida, eis que a natureza nos

surpreende mais uma vez e nos contempla com uma bela imagem da famosa "Boca", e ratificando o que

todos dizem sobre este pedal, "A volta é ainda mais bonita que a vinda". 

Uma visão de todo o vale, beleza tão intensa que mesmo sob o sol escaldante, olhos experientes e

acostumados a ver outras belezas renderam-se e fixaram-se admirando-o de um local privilegiado, como se

fosse uma grande janela aberta. Fico a imaginar quais as emoções sentiu este meu amigo neste momento,

daí me vem a mente uma citação de Clarisse Lispector , que diz assim Renda-se, como eu me rendi.

Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver

ultrapassa qualquer entendimento".

Como podemos entender o esforço físico para chegar ao topo de uma ladeira, entender o sofrimento

daqueles que superam seus limites e suporta suas dores calado, ir muito além da distância, sentir-se um

vencedor, independente do dia, compartilhar alegria, ganhar mais uma história para contar, bater forte no

peito e esbravejar Eu consegui, eu cheguei...

Devemos ser como as árvores que se renovam a cada nova estação. Desfazer de tudo aquilo que já não 

serve mais. Deixá-los cair. Ao mesmo tempo que vemos a floresta perder a cor da esperança bate-nos a 

certeza de que logo, logo ela se revestirá com uma nova folhagem mais bela e revigorada. 

Além das poucas fotos que consegui capturar de mais este incrível pedal, trago mais dois sentimentos na

bagagem, "saudades", do forte canto de um solitário Tico Tico que nos honrou ainda sob o leve nevoeiro

matinal e,  a "certeza" de que irei retornar, em uma outra época onde os caminhos até poderão ser os

mesmo, os  amigos também poderão ser os mesmos, todavia a paisagem mudará, o verde predominará os

vales e os rios estarão abastados de vida em suas águas....

Utilizando-se de outro poema de José Saramago digo: " O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. 

É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver

de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro,

a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados,

para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.

Afinal somos o que somos, eternos AVENTUREIROS DO PEDAL.......

Forte abraço a todos os amigos e parabéns aos participantes de mais um Pedal Extraordinário...

João Pessoa 20 de Janeiro de 2013

 

Confiram as fotos:

Album1, Album2, Album3, Album4, Album5, Album6 (By Henrique Menezes)

Album7   (By Bira Aventureiro do Pedal)

Album8   (By Bruno Chacon)

Album9   (By Thiago Barbosa)

Album10 (By Gustavo Queiroz)

Album11 (By Jovino Costa)

Album12 (By Hilder Junior)